Hair: a Ópera Rock e a Guerra do Vietnã

FREDERICO MORIARTY

“- Você é homossexual?
 
– Não, mas iria pra cama com o Mick Jagger…”
 
O diálogo acima é uma das cenas magistrais do filme de Milos Forman, Hair (1979). A trupe de hippies decide se alistar para ajudar o caipira Claude (John Savage). Dono de uma imensa cabeleira loira, Woof (Don Dacus, músico, em seu único filme) desafia o sargento americano. 
 
Existem duas guerras contra a Indochina: a primeira é francesa e teve como objetivo destruir e devastar o povo do sudeste asiático para manter os interesses das multinacionais do país europeu, entre elas, a Michelin. O país que nos deu a Revolução Francesa, os ideais iluministas, a Comuna de Paris lutou contra o nazismo mas jamais aceitou a independência do Terceiro Mundo. Massacrou a Indochina e depois a Argélia.
 
Os índios daqui estavam certos, afinal como era gostoso o meu francês, de preferência num churrascão nada gourmet. A agressão francesa à libertação da Indochina durou seis anos. Derrotados na batalha de Dien Ben Phu, os conterrâneos de Balzac foram sucedidos por outro partidário da civilização: os Estados Unidos.
 
Depois de dois anos de estabelecimento militar no sul do Vietnã, apoiando o governo ditatorial da região, os Estados Unidos iniciaram um ataque massivo contra os vietcongs, apoiados pela China comunista e localizados no norte da Península. Segundo as lendas norte-americanas, um contratorpedeiro havia sido atacado pelos rebeldes comunistas.
 
O serviço seria rápido. Atacar um dos países mais pobres do planeta, com uma população de baixa estatura e com soldados armados de metralhadoras da década de 40 e estilingues. John Wayne, o herói da América nos anos 40 a 60, no filme Os Boinas Verdes faz um general que está de partida para o Vietnã em janeiro de 1964. Ele avisa a esposa que “antes do Natal estou de volta”. 
 
Mas a escalada da resistência vietnamita impressionava. Em 1969 um general americano afirma em entrevista que o grande problema é que os soldados americanos jamais viram um soldado vietcong. Cinco anos de guerra e nem sequer conseguiam ver o inimigo.
 
As derrotas sucessivas, os fracassos estratégicos e o avanço territorial dos vietcongs (comunistas e comedores de criancinhas) levam os Estados Unidos a uma violência sem precedentes: 1,5 milhão de civis vietnamitas mortos, mais bombas despejadas na Indochina do que em toda a Segunda Guerra. Além de 80 milhões de litros de herbicidas à base de dioxina despejados sobre as matas e a população civil (o famoso “agente laranja”, responsável por mais de meio milhão de mortes nos 20 anos seguintes à Guerra).
 
E, por último, o napalm, uma gelatina à base de gasolina para desfolhar a floresta úmida do Vietnã, mas que queimava os civis e ardia os ossos por dentro. O napalm, em contato com a água, entra em combustão, daí a terrível imagem da menina vietnamita ardendo em fogo em meio à estrada e aos brutamontes norte-americanos.
 
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O musical da Broadway Hair foi adaptado por Milos Forman. Mostra as contradições do país de kennedy. Há o bronco do interior que acredita que a “Pátria está acima de tudo”. A moça da aristocracia que cede aos desejos do futuro soldado, mas que é apaixonada pelo líder dos hippies. Existe toda uma dubiedade entre o mundo da contracultura, da paz e do amor da futura Era de Aquário e a sociedade militarizada, racista, misógina e conservadora.
 
Hair é uma imensa alegoria do que eram os Estados Unidos dos anos 60 e 70. Um país em convulsão que tinha um sonho.  Não só isso. Hair resgatou um gênero meio em declínio no cinema: os  musicais.  Existem cenas e coreografias perfeitas: como a antológica passagem do jantar aristocrático no qual cinco jovens livres entram de penetra. 
 
George Berger (Treat Willians) desafia o poder e a tradição em defesa do seu novo amigo. Canta e dança sobre a mesa de jantar das pessoas endinheiradas que só possuem dinheiro e bens. George e os hippies são sujos, tem os cabelos longos, não trabalham, não se preocupam com a vida e os valores morais estadunidenses (o principal deles era defender a Guerra do Vietnã).
 
Eles apenas acreditam na paz, no amor e na fraternidade. Não são piegas, não são mansos. São várias as cenas em que eles estouram e mostram força. Mas uma força alicerçada pelos verdadeiros valores éticos e de humanidade. Hair é uma marreta de 2 toneladas na cara dos boçais de então e de hoje. Uma marreta contra os bacharéis, contra os homens que acreditam que seus cargos, seus smokings, suas peças de prata valem alguma coisa.
 
São apenas um grupo de pessoas solitárias e fechadas, cada um deles em seu próprio iglu, afinal são gelados como a neve. Morrerão em caixões de madeira nobre, vestindo Prada, mas passarão pela vida como um rio sujo e abandonado.
 
O destino da verdadeira amizade é um ato de heroísmo sem tamanho de George ao seu amigo Bukowski (seria uma alusão ao grande escritor pervertido da América dos anos 60?). Não tem como não chorar ao ver o mar de cruzes brancas sobre o gramado. A história narrada deixa as perguntas: para que a Guerra? Para que o genocídio na Indochina?  Por que tirar a vida de tanta gente em nome da paz?
 
Em 30 de janeiro de 1968 o general Giap fez a maior ofensiva da história da Guerra: Thet. As bases americanas foram quase dilaceradas. A embaixada norte-americana foi cercada. Milhares de soldados do país morreram. Tudo numa brilhante estratégia de um país miserável, com pouquíssimas armas, mas com muita estratégia e coração.
 
Daquele dia para frente, os EUA aprenderam da forma mais dolorosa que jamais venceriam os vietcongs.  A derrota era questão de tempo e dinheiro (nos dias atuais, teriam gasto cerca de  U$ 1 trilhão no Vietnã). Levaram 2,5 milhões de soldados e perderam a guerra. O tratado de Paris, em fins de 1973, permitiu a retirada vergonhosa dos EUA. John Wayne poderia voltar para o Natal, mas 10 anos depois – e derrotado. Deixando atrás dele um rastro eterno de destruição e morte.
 

3 comentários em “Hair: a Ópera Rock e a Guerra do Vietnã

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  1. Maravilhoso artigo, à altura do filme e com irretocável contexto histórico. Só acrescento uma coisa: que lindas as canções. Algumas delas, como a própria Hair, Aint got no, Walking in Space e Let the sun shine in são hinos inesquecíveis à paz e à liberdade. Parabéns, Moriarty.

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    1. Fineis…passou desapercebido…era pra estar no texto as músicas e a interpretação, em geral, maravilhosos

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