Hoje, entrevista com Maria Rita Kehl

Suicídio – verdadeiro início de toda a filosofia…

Evandro Affonso Ferreira

Estava me lembrando aqui de um fragmento de Novalis…

Pílula do dia

A educação pela pedra e depois, de João Cabral de Melo Neto

Poeta, diplomata, João Cabral de Melo Neto nasceu na cidade do Recife (1920), morreu do Rio de janeiro (1999). Foi membro da Academia Brasileira de Letras. Ganhou inúmeros prêmios, entre eles, Prêmio José de Anchieta, de Poesia, Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, Prêmio Jabuti, Prêmio Bienal Nestlé. Embaixador, morou em várias cidades: Barcelona, Londres, Madrid, Genebra, entre outras. Sua obra poética é imensa, genial: Pedra do sono, 1942; O engenheiro, 1945; O cão sem plumas, 1950; O rio, 1954; Quaderna, 1960; Poemas escolhidos, 1963; A educação pela pedra, 1966; Morte e vida severina e outros poemas em voz alta, 1966; Museu de tudo, 1975; A escola das facas, 1980; Agreste, 1985; Auto do frade, 1986; Crime na Calle Relator, 1987; Sevilla andando, 1989.

Trechos do livro:

Quando um rio corta, corta-se de vez
O discurso-rio de água que ele fazia;
Cortado, a água quebra em pedaços,
Em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
A uma palavra em situação dicionária:
Isolada, estanque no poço dela mesma;
E porque assim estanque, estancada;
E mais: porque assim estancada, muda,
E muda porque com nenhuma comunica,
Porque cortou-se a sintaxe desse rio,
O fio de água por que ele discorria.

Entrevista: Maria Rita Kehl

Psicanalista, formada em psicologia pela USP, ensaísta, poetisa, cronista e crítica literária. Venceu, em 2010, o Prêmio Jabuti com o livro O tempo e o cão – A atualidade das depressões. Recebeu o Prêmio Direitos Humanos, categoria Mídia e Direitos Humanos. Escreveu vários livros, entre eles: Função Fraterna (Relume Dumará), Sobre ética e psicanálise (Cia das Letras) e Fratría Órfã (Olho DÁgua). Integrou a Comissão Nacional da Verdade).


Rita e a Melancolia:


Evandro Affonso Ferreira – A transcendência é o último andar do mistério?
Maria Rita Kehl – Talvez a transcendência seja pra mim, como a Verdade pra Santo Agostinho (sem querer me comparar com a santidade dele!): “Se não me perguntarem o que é, eu sei. Se me perguntarem, não sei”.

Evandro – Você já foi o etecetera da frase de alguém?
Maria Rita – Devo ter sido, de muitos alguéns. Mas justamente por estar nessa posição tão…etc., não fiquei nem sabendo!

Evandro – Quem nos compensará do frio da existência?
Maria Rita – O mar (essa resposta não vale pros mineiros). O sol da manhãzinha. Os filhos, netos, amigos, amores. A luta política, quando valer a pena. A poesia de Drummond. As músicas de Chico, Caetano, Gil e Milton. O MST. Lula. Minha imaginação. As noites 100% escuras, caminhar dentro delas. Os Orixás.

Evandro – E a verdade? Trancada a sete chaves num baú dentro de porão qualquer numa cidadezinha que se chama Alhures, cuja capital é Algures?
Maria Rita – Finjo que não dou a mínima pra ela, aí ela vem atrás de mim.

Evandro – E o corte no outro? Cicatriza rápido em você?
Maria Rita – Pra falar a verdade – a tal que as vezes vem atrás de mim – não. Justamente por não ser em mim, fico imaginando sofrimentos terríveis causados pelo corte no outro. Só passam quando eu penso que se fosse em mim, eu não teria tanta dó.

Evandro – E o fogo de Prometeu? Deu em água de barrela?
Maria Rita – Ou deu em fogo de palha?

Evandro – Para você, hem? Só o que tem nome existe?
Maria Rita – Uai, isso de existir também não é só um nome?

Evandro – E Deus? Que diabo é isso?
Maria Rita – É o nome da nossa angústia?

Evandro – Você vive tentando se precaver contra as próprias contradições?
Maria Rita – Já desisti de me precaver. Foi um ganho por ter feito tanta análise!

Evandro – Já se acostumou com os solavancos do imprevisível?
Maria Rita – Uai, sô. Se eu tivesse me acostumado, que graça o imprevisível teria?

Evandro – Você, vez em quando, transita pelos obscuros becos do destrambelho?
Maria Rita – Rapaz… essa é uma chatice da 3a idade: não destrambelho mais. (Acho: melhor não pôr a mão no fogo).

Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do Eventual, as luxúrias do Acaso?
Maria Rita – Talvez seja possível, mas não quero saber disso. Se eu conseguisse farejar antes, nunca seria surpreendida? Que sem gracice.

Evandro – E os contratempos? Catalogá-los na volumosa pasta dos percalços?
Maria Rita – Não sem antes tentar chutar a bunda deles.

Fragmentos

Tem olhar ideológico, embora gestos sejam displicentes, alienantes. Dizem que seus passos também são magnânimos: fabricam peregrinações revolucionárias. Entanto, ingênua, nossa ontológica personagem ainda não percebeu que andanças vanguardistas sempre desembocam nos becos ilusórios do devaneio.
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Dizem que foi ontem logo cedo: nossa ontológica personagem arranjou papel celofane, embrulhou o destino, jogando-o amarfanhado no fundo de baú jogado no sótão.

Livro de minha autoria

Foto principal

(As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos).

As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)

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