
Penca de sutilezas
Evandro Affonso Ferreira
Hoje me deu vontade de ler um texto que eu escrevi muito tempo atrás, e que foi publicado numa plaquete…
Pílula do dia

Freud – Uma vida para o nosso tempo, de Peter Gay
Peter Gay nasceu em Berlim. Professor de história na Universidade de Yale, Estados Unidos. Escreveu, entre outros, O estilo na história, O século de Schnitzler e os cinco volumes da monumental série A experiência burguesa: Da Rainha Vitória a Freud.
Trecho do livro:
Schur estava à beira das lágrimas, enquanto presenciava Freud encarando a morte com dignidade e sem autopiedade. Ele nunca vira alguém morrer assim. Em 21 de setembro, Schur aplicou em Freud uma injeção de três centigramas de morfina – a dose sedativa normal eram 2 centigramas –, e Freud mergulhou num sono pacífico. Schur repetiu a injeção, quando ele se tornou inquieto, e administrou uma dose final no dia seguinte, 22 de setembro. Freud entrou num coma do qual não mais despertou. Ele morreu às 3 horas da manhã de 23 de setembro de 1939. Quase quarenta anos antes, Freud escrevera a Oskar Pfister, indagando o que se faria, “quando as ideias falham ou as palavras não vêm?”.
Entrevista: Miriam Leitão

Mineira, formada na Universidade de Brasília. Escreveu vários livros, entre eles: A verdade é teimosa, Convém sonhar, Tempos extremos e História do Futuro. Ganhou vários prêmios, entre outros: Prêmio de Jornalismo do Ano pela Ordem dos Economistas do Brasil, Prêmio Maria Moors Cabote da Universidade de Columbus, Estados Unidos, Prêmio Vladimir Herzog e Prêmio Jabuti.
A escritora e o livro-casa
Evandro Affonso Ferreira – Procurar a verdade é querer estudar a anatomia do inimaginável, debulhar as cascas do incógnito?
Miriam Leitão – Com lucidez e desatino procuro a verdade, mas encontro sempre a anatomia do relativo.
Evandro – E quando você se sente refém das ciladas da afoiteza? Sim: quando percebe que está transgredindo os preceitos da precaução?
Miriam – A afoiteza é por vezes pura sinceridade. A transgressão pode ser também liberdade. Quem muito se previne, se reprime.
Evandro – Como tanger com destreza o próprio rebando de inquietudes?
Miriam – As inquietudes inspiram. Não teria a destreza de tangê-las. Se a tivesse certamente perderia parte da arte.
Evandro – E quando seus passos não se adaptam jeito nenhum às probabilidades peregrinas?
Miriam – Eu me aquieto. Aguardo. Sei que peregrinarei nas probabilidades futuras.

Evandro – Às vezes, nem sempre, estoico, consigo trocar a penúltima vogal pela primeira: ao invés de odiar, adiar. E você?
Miriam – Prefiro não adiar. O ódio sem adiamentos é breve.
Evandro – Você tem o hábito de jogar sementes de conformismo sobre seu terreno baldio?
Miriam – Não. Eu as arranco como ervas daninhas.
Evandro – Existe nele, seu baú invisível, uma penca de irrealizações?
Miriam – Existem sonhos teimosos. As irrealizações irrealizáveis eu as transmuto em palavras. E com elas faço um castelo onde não vou morar.
Evandro – E quando as mágoas se embrenham nas suas entranhas? Como se livrar dos urros do rancor?
Miriam – Eu leio. “Com que magoado olhar, magoado espanto revejo em teu destino o meu destino”. Esse poema, Manoel Bandeira termina sem rancor: “Eu, não terei a glória… nem fui bom”.
Evandro – Você já se viu, alguma vez, diante do espelho praticando lisuras?
Miriam – Gosto da lisura do espelho. O que ele espelha eu miro e vejo, desde a minha mocidade.
Evandro – É possível se precaver tempo todo contra as próprias contradições?
Miriam – Seria monótono.
Evandro – Viver? É possível se preparar para essa emboscada?
Miriam – É possível, mas isso nos colocaria num escafandro. Quem se defende da emboscada perde o imprevisto. E ele pode ser a melhor chance.
Evandro – Agora, com o passar do tempo, tenho conseguido polir os avanços com o verniz da parcimônia. E você? Já se afeiçoou aos recuos? É condescendente com os retrocederes?
Miriam – Há retrocederes sábios. Mas confesso minha afeição pelos avanços.
Fragmentos
É a favor da extinção dos alaridos, das algazarras, dos ruídos estrondosos. Entanto, reverente às palavras sonoras, espera que o substantivo estrépito nunca caia em desuso.
Jactâncias

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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