
Raiva, inveja…
Evandro Affonso Ferreira
Hoje eu me lembrei da palavra inveja…
Pílula do dia
Perguntas insólitas


Os passos em volta, de Herberto Helder
Entrevista: Ademir Assunção

Minibiografia
Evandro Affonso Ferreira – Costumo dizer que sou muito afetivo, pegajoso, motivo pelo qual gostaria que Deus fosse palpável. Afinal, procurar Deus é querer apalpar plenitudes?
Ademir Assunção – Os deuses não se revelam àqueles que perderam a capacidade de farejar o vento, acariciar a pele da água dos rios e abraçar as sibipirunas. Sou apenas mais uma espécie de vida, entre inúmeras, visíveis e invisíveis, habitando essa espaçonave chamada Terra. A plenitude que persigo é usufruir ao máximo da minha breve passagem por aqui. Quem sabe eu consiga deixar alguns rastros e sinais indicativos para os que virão depois de mim.

Evandro – Agora, depois de velho, tenho conseguido polir os avanços com o verniz da parcimônia. E você? Já se afeiçoou aos recuos? É condescendente com os retrocederes?
Ademir– Diante do abismo é prudente recuar. Mas nunca pensei a vida como uma linha reta. Procuro me expandir para todos os lados, inclusive para cima e para baixo. Diante do impossível, um recuo pode significar um avanço para o lado oposto.
Evandro – É possível rastrear lampejos?
Ademir – Para alguns, imagino, a maior justificativa desta vida seja exatamente esta: rastrear lampejos. Se é que a vida precisa de justificativa.
Evandro – É aconselhável, vez em quando, se refugiar nos estupefatos?
Ademir – Prefiro me refugiar nos fatos. Porém, a Grande Ordem dos Fatos, para mim, inclui desde a tragédia de um governo fascista até o salto de um grilo na grama, quase invisível, inaudível e plenamente insignificante, exceto para os que mantém o espírito poético em estado de alerta.
Evandro – Você já ensinou seu próprio olhar a refutar angústias e todos os seus apetrechos melancólicos?
Ademir – Tenho, por natureza, ou falta de aptidão, uma queda pela melancolia, talvez herança do sangue lusitano. Mas, em compensação, meu olhar é atraído pelo magnetismo do azul do céu. Caminho pela vida de cabeça erguida, olhando para todos os lados possíveis e impossíveis. Às vezes preciso olhar para baixo e verificar cuidadosamente aonde estou pisando. Nessas andanças, nem sempre os olhos se deleitam com a paisagem que se mostra: miséria, injustiça, estupidez abissal. Nesses momentos a angústia é irrefutável.
Evandro – Costumo esbarrar, distraído, tempo quase todo na precipitação. E você?
Ademir – Não na precipitação, mas no precipício.
Evandro – Você já aprendeu a farejar com antecedência uma rua sem saída?
Ademir – Sou treinado na arte do farejamento, mas isso não me salva de alguns equívocos. Conheço muitas ruas e imagino que apenas uma não tem saída. Ainda assim, posso estar equivocado. Quem sabe o derradeiro passo na rua aparentemente sem saída seja uma passagem para outro portal. Não tenho pressa. Essa revelação será feita em sua devida hora.
Evandro – E quando você pretende empreender tarefa de confeccionar caminhos, mas percebe que seus passos não se adaptam às probabilidades peregrinas?
Ademir – Sigo um pouco mais, para ter certeza de que as probabilidades se esgotaram. Caso se confirme, mudo de rota e sigo em frente.
Evandro – Você já inventou, para consumo próprio, símbolo gráfico indicativo para ajudá-lo a seguir os próprios instintos?
Ademir – Sim; não apenas símbolos gráficos, mas também visuais, auditivos, olfativos e táteis. O instinto é uma poderosa forma de conhecimento, constantemente ignorada nas selvas asfálticas em que vivemos. Tigres, lobos e até formigas não costumam desprezar seus instintos, pois sabem que isso pode custar-lhes a própria vida.
Evandro – E as certezas? Vida toda ultrapassamos, se tanto, o pórtico do talvez?
Ademir – Certeza, só uma: que nascemos para ir o mais longe possível nesta fantástica e finita aventura chamada Vida. Nascemos ignorantes, sem saber nada de nada. Isso é uma contingência. Agora, morrer ignorante é uma tragédia.
Fragmentos
Nossa ontológica personagem abriu agorinha gaveta de amuletos: gosta de contemplar extasiada sua coletânea de superstições.
Motejos

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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