
Miniconto
Evandro Affonso Ferreira
Eu vou ler um miniconto, dedicado especialmente à querida, talentosa, adorável Paloma…
Pílula do dia
Perguntas insólitas


Pedro Páramo, de Juan Rulfo
Entrevista: Marcelino Freire

Evandro Affonso Ferreira – Morrer é vislumbrar as profundezas místicas dos fogos-fátuos?
Marcelino Freire – Você matou a charada, Evandro: a luz no fim do túnel sempre foi o fogo-fátuo.
Evandro – E a solidão? É aquele invisível, ali no canto, carente de apalpamentos?
Marcelino – A solidão para mim é bem visível. Eu com ela me faço companhia. Às vezes ela se enche de mim. Mas quem disse que vai embora?
Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do eventual, as luxúrias do acaso?
Marcelino – Não sei por que, mas essa sua pergunta me levou a pensar sobre uma inveja que eu tenho: de um cachorro quando, por acaso, encontra um outro cachorro na rua e ambos se farejam os rabos.

Evandro – Viver? Você está preparado para esta emboscada?
Marcelino – Viver leva uma vida inteira, eis a nossa tragédia diária.
Evandro – É possível rastrear lampejos?
Marcelino – É o que eu estou tentando fazer nessa entrevista. Rastrear umas respostas. Feito alguém, na escuridão, procurando uma saída de candeeiro na mão.
Evandro – E quando o afago se descamba para a obliquidade? Como consertar as empenas do telhado do fraterno?
Marcelino – A fraternidade não constrói telhado. É o tempo inteiro a céu aberto. Faça chuva ou faça chuva.
Evandro – Costumo dizer que sou muito afetivo, pegajoso, motivo pelo qual gostaria que Deus fosse palpável. Afinal, procurar Deus é querer apalpar plenitudes?
Marcelino – Estou aqui com o Diabo, palpável ao meu lado, e pedi que ele respondesse por mim à sua pergunta. Ele se recusou. Deus seria mais generoso nesse sentido, creio.

Evandro – É aconselhável, vez em quando, se refugiar, resignante, nos estupefatos?
Marcelino – Acho que só um livro consegue se refugiar assim. Livros dormem em pé. Só os livros para explicar tempos tão espantosos, por exemplo.
Evandro – Sensação de que sua vida, vez em quando, se parece com uma parábola ininteligível, cheia de não-vereis-não-entendereis?
Marcelino – Eu sempre acho que o problema da vida é a vida. Essa vida “barrinha de cereais”. Essa vida “prática”. Essa vida “econômica”. Essa vida “cheia de vida”. Isso não é vida, é? A morte é sempre mais discreta. Acho a morte mais “inteligível”, sem nenhum mistério.
Evandro – E quando você pretende empreender tarefa de confeccionar caminhos, mas seus passos não se adaptam às probabilidades peregrinas?
Marcelino – Sento e tomo uma cervejinha.

Evandro – E esse solene cortejo de incompreensíveis e todos os seus inumeráveis-ininteligíveis apetrechos?
Marcelino – Aí eu vou para a literatura. Lá, pelo menos, sou dono de meu próprio enterro.
Evandro – É aflitivo para você, olhar, mesmo de soslaio, as insinuações do improvável?
Marcelino – Você está falando de sexo, é isto? Se for, e souber quem esteja interessado, passa o meu contato.
O escritor e os ossos das palavras
Fragmentos
Às vezes se preocupa com a tessitura da própria voz – motivo pelo qual nossa ontológica personagem fica dias seguidos rendendo ampla-total-irrestrita homenagem ao silêncio.
Motejos

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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