
Arqueologia da infância
Evandro Affonso Ferreira
Continuarei lendo um texto publicado numa plaquete, cujo título é Levaram tudo dele, inclusive alguns pressentimentos…
Pílula do dia
Perguntas insólitas


Absalão, Absalão!, de William Faulkner

Entrevista: Regina Zappa
Escritora, jornalista, roteirista e professora Universitária. Trabalhou por muitos anos como editora das seções de Política, Cultura e Internacional – cobertura sobre a abertura econômica na China e golpe militar sofrido por Gorbachev na então União Soviética. Tem mais de 10 livros publicados entre ficção, reportagens e biografias, além de roteiros e documentários. Autora, entre outros, de Chico Buarque para todos.

Evandro Affonso Ferreira – Morrer é vislumbrar as profundezas dos fogos-fátuos?
Regina Zappa – Morrer é apagar. Deixar de ser. Se ausentar. Para vislumbrar os fogos-fátuos é preciso estar profundamente vivo.
Evandro – E a solidão? É aquele invisível, ali no canto, carente de apalpamentos?
Regina – Solidão pode ser prêmio ou castigo. Dor ou prazer. Tem várias caras, é insidiosa e essência da condição humana. Às vezes te faz crer que o carnaval é feliz no bloco do eu sozinho. Ou te leva para a arapuca, de repente. Mas ela espreita, sim, ali no canto. Melhor convida-la para dançar.
Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do eventual, as luxúrias do acaso?
Regina – Farejar? Talvez. Ansiedades nos lembram do acaso a toda hora.
Evandro – Viver? Você está preparada para esta emboscada?
Regina – Um ator italiano, acho que foi Vittorio Gassman, certa vez disse que deveria haver duas vidas: uma para ensaiar e outra para valer. No ensaio, caí em algumas emboscadas. Mas mesmo que houvesse outra, acho que nunca estaria plenamente preparada. E o acaso? E as surpresas?

Evandro – É possível rastrear lampejos?
Regina – Às vezes sim, como nas madeleines do Proust. Mas a graça é não rastreá-los.
Evandro – E quando o afago se descamba para a obliquidade? Como consertar as empenas do telhado do fraterno?
Regina – Muitas vezes não há conserto. Porque não se quer consertar. Outras vezes, o afago é tão verdadeiro que ele próprio acomoda as telhas novas.
Evandro – Costumo dizer que sou muito afetivo, pegajoso, motivo pelo qual gostaria que Deus fosse palpável. Afinal, procurar Deus é querer apalpar plenitudes?
Regina – Procuro deus no palpável, sempre. E ele está lá. O deus das pequenas coisas, diria Arundhati Roy, das pequenas alegrias, da beleza ao alcance dos olhos, do vento na pele, dos momentos serenos, da música (e como tem deus na música!), do abraço amigo, do amor, do milagre dos filhos e dos netos. O deus que está no pano do vestido, na madeira da mesa, na panela da cozinha, nos bichos, nas plantas, na possibilidade de espanto, na esperança. Isso tudo é palpável? É. Então, quero sim, apalpar plenitudes.
Evandro – E as certezas? Vida toda ultrapassamos, se tanto, o pórtico do talvez?
Regina – O talvez ganha mais espaço enquanto o tempo avança. Certeza mesmo só tem uma. Aquela, inescapável.

Evandro – Sensação de que sua vida, vez em quando, se parece com uma parábola ininteligível, cheia de não-vereis-não-entendereis?
Regina – Tem uma esfinge que me habita. Nem sempre consigo decifrar seus enigmas e, por isso, muitas vezes, tenho que fazer desvios. Procuro, no entanto, entender os mistérios para seguir a jornada. Pensando bem, também é bom conviver com mistérios.
Evandro – E quando você pretende empreender tarefa de confeccionar caminhos, mas seus passos não se adaptam às probabilidades peregrinas?
Regina – É uma luta permanente essa dos caminhos. Gosto de buscar novas trilhas, mas, com o passar do tempo, os passos já não têm a curiosidade de antes.
Evandro – E esse solene cortejo de incompreensíveis e todos os seus inumeráveis-ininteligíveis apetrechos?
Regina – Ah, são os malditos/benditos mistérios.
Evandro – É aflitivo para você, olhar, mesmo de soslaio, as insinuações do improvável?
Regina – Muito. Tenho angústias e ansiedades. Gosto de acreditar que estou no controle, mesmo tendo consciência do imponderável. O improvável é quase insuportável. (Quanta rima!) Mas, refletindo agora, é também motor de tanta coisa…
Evandro – Você já foi o etecetera da frase de alguém?
Regina – Rsrsrsrsrs, acredito que sim.

Fragmentos
E os contratempos? Catalogá-los na volumosa pasta dos percalços?
Motejos

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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