
José Carlos Fineis
Minha mãe estava na UTI e fomos, minha filha e eu, visitá-la. No corredor largo e sem mais ninguém, aguardamos até que a guardiã da UTI abrisse a porta e informasse as condições: duas pessoas, uma por vez, dez minutos por pessoa. Quem vai primeiro?
Eu fui primeiro. Será que a memória me engana ou a cama lembrava um berço com guardas? Minha mãe estava retorcida para o lado, ligada a tubos e fios. Dormia um sono narcotizado. Nada havia a fazer senão ficar ali, em silêncio, e olhar para ela.
E assim fiquei, em pé, por dez minutos. Esperei, meio desesperançado, que o improvável acontecesse e minha mãe acordasse. Queria ver seus olhos e ouvir sua voz, mas ela dormia pesadamente. Desisti quando a funcionária se aproximou com a informação de que o tempo terminara. Olhei ainda uma vez, mas minha mãe continuava imersa em sono profundo.
Saí e minha filha entrou. Alguns minutos se passaram. Nada mais esperava daquela tarde, quando a porta se abriu e minha filha surgiu agitada, dizendo que minha mãe havia acordado. Perguntara por mim. Queria falar comigo.
A guardiã vinha logo atrás. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela se adiantou:
— O senhor não pode voltar lá. A regra é rígida. Duas pessoas, uma por vez, dez minutos por pessoa.
E eu (como me odeio por isso):
— Sim… Sim… Compreendo.
Minha filha tentou argumentar, mas a mulher de branco — ou azul, não recordo bem — manteve-se impassível. Porque as regras eram rígidas e blá, blá, blá…
Nunca me perdoei por não ter me rebelado contra as normas e forçado a entrada para ver minha mãe viva pela última vez. Sim, pela última vez, pois em algum momento, naquela mesma tarde, o lampejo de lucidez se esvaiu e ela dormiu novamente, para não acordar.
Deus! Por que não contestei aquela proibição?
Tantas vezes briguei nesta vida! Por muito menos, rompi com amigos, mandei para aquele lugar, gritei para o quarteirão ouvir, alterei minha rota, mudei de emprego. Por que aceitei que me impedissem de voltar à UTI, com a resignação de um lacaio diante de um rei?
Desde então, vez ou outra, apesar do cansaço e dos comprimidos para dormir, acontece de eu passar a noite em claro, tentando imaginar o que minha mãe, em seu leito de morte, queria me dizer.
Se eu fosse raso, poderia supor um diálogo possível e me apegar a ele. Mas a verdade é que qualquer coisa que eu imagine não tem valor nenhum, pois nem toda a imaginação do mundo é capaz de substituir o que minha mãe queria de fato me dizer, ainda que fosse uma única palavra.
Ou, mesmo que não houvesse palavra: um olhar. Porque, naquelas circunstâncias, um olhar teria sido suficiente.
No entanto, as normas do hospital foram preservadas, e a nós, mãe e filho, restou a tarefa insana de nos contentar com o vazio. Um último olhar que não houve, uma última palavra que jamais foi pronunciada ou ouvida.
É estranho o silêncio como corolário para tantos anos de conversas, histórias, anedotas, risadas. Não sei se devo tentar entendê-lo ou simplesmente procurar classificá-lo como uma coisa menor, um acidente de percurso em minha vida.
De esquecê-lo, desisti. Já lá se vão quantos anos? Vinte! E ele continua aqui, presente, tão vasto quanto desolador. Às vezes penso que o silêncio, assim como a culpa por não ter tido coragem de usar minha voz quando mais precisei dela, tornou-se parte de mim.
E isso é tudo. Não há mais nada a dizer. Gostaria de poder contar uma história com começo, meio e fim, mas esta é uma história sem fim. Passei dias procurando uma maneira de encerrá-la, mas não encontrei nada melhor do que a constatação patética de que, a menos que eu o invente, não existe um final.
Imagem: Parentingupstream por Pixabay
Triste, mas bonito.
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Obrigado!
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Claro. Uma ajuda é sempre bem-vinda, como um gole de café coado na hora.
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