Picolé de Groselha

NILSON RIBEIRO
(Blog Observatório Plural)

Às vezes – não sempre, nem todo dia – mas, às vezes, meu coração é surpreendido pelo assombro e o frêmito da vida. Sutil borboleta, o canto bem-te-vi, um sorriso de criança.

Hoje foi um picolé, em cujo palito havia uma mensagem: “Que delícia é viver!”

Não sei de quem foi a ideia de colocar frases no palito. Talvez tenham se inspirado nos bilhetinhos dos biscoitos da sorte chineses. Sempre uma gota de otimismo.

A ideia é realmente boa. Pode modificar o humor da pessoa num dia comum. Gosto de acreditar que certos “recados” foram enviados diretamente para mim. Como esse do palito do sorvete: “Que delícia é viver!”

Um diabinho carrancudo e mal humorado da razão pode me dizer no ouvido: “Ora, que bobagem. A vida é muito mais complexa que essa mensagem aleatória.” Mas há sempre um anjo no outro ouvido insistindo: “Vai, criança, corre e brinca nesses campos que lhe foram emprestados pelo tempo limitado de sua existência.” É claro que prefiro ouvir e seguir a voz do anjo, ainda que o eco diabólico por vezes fique se repetindo na minha cabeça boba.

Milton canta em “Bola de Meia (dele e Brant): “Há um menino, há um moleque, morando sempre no seu coração. Toda vez que o adulto balança o menino lhe dá a mão.” Bom… É para esse moleque que ofereço os picolés que desfruto entre uma batalha e outra nessa vida de pai, companheiro, cidadão brasileiro, militante, humanista, escritor, psicanalista, compositor e sei lá mais quantos rótulos que fui, distraído, me carimbando na testa.

No fundo, bem lá no fundo, sou um menino que se delicia com um sorvete de groselha e sente extasiado, de olhos fechados e um sorriso no rosto: “Que delícia é viver!”.

Nilson Ribeiro é Psicanalista
nilribeiro63@hotmail.com

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