FREDERICO MORIARTY
Introdução: em 2018 foram aprovados pelo MEC as BNCCs ( base nacional curricular comum). O ensino deveria acabar com a rigidez das ” disciplinas” tradicionais. No lugar de Geografia, Filosofia e História teremos Ciências Humanas, por exemplo. As escolas deveriam criar no “contra-turno” os Itinerários Formativos. Novos caminhos, novas direções não conteudísticas, novos paradigmas na formação do aluno de ensino básico. Educação, ciência e Cultura devem estar interligadas e é o educando o protagonista da aprendizagem. Nada de uma educação imposta por mestres do saber e exigida pelos grandes vestibulares. Educar é deslumbrar-se com o conhecimento. Meu amigo Martinho é professor há muito tempo e este ano começou um trabalho sobre os tais Itinerários no colégio Objetivo de Tatuí. Uma das propostas é o ” Sentido do Tempo”. Excepcionalmente agora, passo a coluna ao Amigo Martinho Milani…

Escolhas – Martinho Milani
Quinta feira à tarde. Aula online. Tentava explicar o conceito de Longa Duração de Braudel para alunos de 14 e 15 anos. Algo simples como explicar números irracionais em matemática. Dei um, dois, no terceiro exemplo busquei a ideia de ” mundo cristão “. Pelo menos 10 séculos da mentalidade sacra sobre Europa, América e muitos negros escravizados. Citei a ideia de culpa. Como nos sentimos culpados quando fazemos algo que magoa o outro. Depois a ideia do ” atire a primeira pedra “. Discorri sobre a simplicidade e poder fantástico da palavra de Cristo. Pra que ser complicado? Cristo, o comensal, ia na casa das pessoas dividir o pão e comer entre os familiares sem ser convidado. Quer algo mais egoísta do que os jantares fechados em família? Fui parar no filho pródigo. O ovelha negra, o enjeitado.

Tudo para mostrar as permanências e mudanças dos tempos atuais. Um mundo em que se termina um relacionamento de anos com um torpedo escrito ” tchau”. Que pastores, padres, homens de bem gritam Jesus e querem o direito de fuzilar alguém com uma arma. Tempos em que o filho difícil é expulso de casa, é humilhado, é jogado na sarjeta. Como a imobilidade dás águas em alto mar, vez ou outra é sacudida por ondas e tempestades.
Em resumo, falava sobre algo que jamais um estudante de ensino médio…
- Professor!
- Diga…( olhando para uma janelinha aberta)
- Essa matéria de Itinerários vai ter prova?
( Cético. Ainda mais por ser aula online ) - Não sei. Tô pensando.
- Professor, não precisa não…
- Por quê?
- Porque a gente presta atenção em tudo e fica acompanhando o que você fala…
-Piada né?? - Não professor – vários alunos falando.
- A gente adora essas aulas. São demais – eles
- Porra meu, assim vou chorar.
( chorando) - A gente quer fazer um churrasco e levar vc só pra ficar conversando conosco. A prova é o churrasco…
( chorando mais forte) - Valeu moçada! Me emocionei pra caralho aqui! Vamos continuar…

Tai gente, passou 31 anos que dou aulas. Todo dia me pergunto se valeu a escolha. O Serasa manda carta todo dia pra mim. Tenho uma dúzia de boletos atrasados. Fico com medo de faltar sustento pras pipoquinhas, mas tenho essa puta profissão: Professor. Não uso anel, não uso a palavra doutor ( mesmo sendo um quase pós doutor). Não uso ternos. Não sou tratado como CEO. Tenho algo simples e barato: o respeito pela minha alma.
Para conhecer mais sobre Fernanda Braudel, assista a entrevista com o professor Livre Docente da USP, Lincoln Secco
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