O amor triste e devastador

CARLOS ARAÚJO (Blog Outro Olhar) – Ainda no embalo do Dia dos Namorados, comemorado nesta quarta-feira (12 de junho), a MPB é rica em canções que contam as histórias dos apaixonados e traduzem os sentimentos que vão do sublime ao grotesco, da dor à alegria, do encanto à desilusão. Não há história de amor que não tenha identificação com essas composições de uma galeria de geniais artistas brasileiros.
 
Inspirados em experiências próprias e no mundo que os cerca, esses artistas se eternizaram cem obras-primas de som e poesia. Por meio dos seus versos, descrevem emoções. Fazem rir, chorar e até mesmo ter saudade. E sabem que em algum lugar, desde uma sofisticada casa de shows até um boteco envolto em penumbra no fundo da periferia de uma cidade, há sempre alguém que chora ou tem um aperto no peito quando ouve uma voz interpretando essas canções.
 
A solidão é quase sempre marca registrada nessas horas, como em “O mundo é um moinho”, do mestre Cartola: “Ainda é cedo, amor / Mal começaste a conhecer a vida / Já anuncias a hora de partida / Sem saber mesmo o rumo que irás tomar”.
 
Na mesma linha, Sílvio Caldas e Orestes Barbosa criaram “Chão de estrelas”: “A porta do barraco era sem trinco / Mas a lua, furando o nosso zinco / Salpicava de estrelas nosso chão / Tu pisavas os astros, distraída / Sem saber que a ventura desta vida / É a cabrocha, o luar e o violão.” Não é por acaso que “Tu pisavas os astros, distraída” é considerado o mais belo verso da MPB. Os dois poetas criam a voz de um homem de tal modo apaixonado que ele via a mulher que amava ocupando lugar muito acima das estrelas.
 
Com “A flor e o espinho”, Nelson Cavaquinho apresenta o sofrimento como tradução do amor: “Tire o seu sorriso do caminho / Que eu quero passar com a minha dor / Hoje pra você eu sou espinho / Espinho não machuca a flor”.
 
Paulinho da Viola inspirou-se no mar para falar do desencanto do mundo e de um amor não correspondido. Em “Na linha do mar”, ele nos presenteia: “Vou me embora desse / Mundo de ilusão / Quem me vê sorrir / Não há de me ver / Chorar”. Esta canção ficou famosa na voz de Clara Nunes.
 
Uma combinação de metalinguagem com sensações indescritíveis é usada por Caetano Veloso para falar dos mistérios que devoram uma alma apaixonada. A joia de ritmo e voz recebe o nome de “Trem das cores”: “A franja na encosta / Cor de laranja / Capim rosa chá / O mel desses olhos luz”.
 
Roberto Carlos, o Rei, comparece com muitas canções e uma das preferidas dos seus milhões de fãs é “Rotina”, a narrativa de um dia na vida de um casal. Uma forte dose de lirismo em forma de versos: “Seu corpo adormecido e mal coberto / Quase não me deixa ir / Fecho os olhos, viro as costas / Num esforço eu tenho que sair”. Quem ouve a canção se coloca no lugar do personagem e é como se vivesse aquele dia de paixão, espera, saudade e retorno.
 
O Rei tem mais uma canção, “Outra vez”, que já nasceu com a característica dos clássicos por suas qualidades de música e letra. A íntegra é de partir corações, especialmente quando a voz de Roberto Carlos diz: “Me esqueci! / De tentar te esquecer / Resolvi! / Te querer por querer / Decidi te lembrar / Quantas vezes / Eu tenha vontade / Sem nada perder…” Nunca a beleza rimou tão bem com a tristeza.
 
Chico Buarque se inspirou numa despedida para criar “Atrás da porta”. Na interpretação de Elis Regina, a canção vai além de som e ritmo e alcança força de teatro, ópera, qualquer coisa desse tipo. Numa gravação em vídeo, Elis parece se desgastar emocionalmente e vai se desmoronando até o chão, numa força dramática das mais comoventes: “Quando olhaste bem nos olhos meus / E o teu olhar era de adeus / Juro que não acreditei, eu te estranhei / Me debrucei sobre teu corpo e duvidei”.
 
Despedidas são perdas, e perder um grande amor é uma catástrofe. Elis mostra todo esse desespero quando canta, também em “Atrás da porta”: “E me arrastei e te arranhei / E me agarrei nos teus cabelos / No teu peito, teu pijama / Nos teus pés ao pé da cama”.
 
Roberto Carlos (de novo) também enriquece esse tipo de dor com “Eu disse adeus”: “Eu disse adeus / e vi o mundo inteiro / Desabar em mim / Queria ser feliz e acabei assim / Me condenando a ter / Recordações, recordações”.
 
Djavan, usando o recurso da licença poética, conta em verso o que pode ser interpretado como o sofrimento de um amor impossível. O homem se encanta por uma mulher maravilhosa, que está tão perto e ao mesmo tempo tão distante, e o que ele sente é descrito assim: “Sabe lá / O que é morrer de sede / Em frente ao mar”.
 
O gaúcho Lupicínio Rodrigues é outro que sacode com as nossas emoções ao contar a história de um triângulo amoroso frente a uma amizade. Um deles rouba a mulher do outro, e, correndo riscos, resolve contar ao amigo que já está com ela no seu barraco: “De dia me lava a roupa / De noite me beija a boca / E assim vamos vivendo de amor”. A reação do amigo que perdeu a mulher não é conhecida, o que abre espaço para a dúvida, e nisto reside o gênio do compositor.
 
“Bilhete”, de Ivan Lins, escancara toda a dor de uma separação: “Quebrei o teu prato, tranquei o meu quarto / Bebi teu licor / Arrumei a sala, já fiz tua mala / Pus no corredor”. Tanta angústia justifica um porre.
 
Os exemplos são infinitos, tanto na MPB quanto na canção internacional, popular e clássica. Em todos eles, a mulher é o ser que dita o rumo das histórias, para o céu ou para o inferno.
 
Encantadora, poderosa, sublime, a mulher também pode ser cruel ao ponto de levar um homem ao chão com uma palavra de adeus. E o homem pode devolver na mesma moeda. A diferença é que, enquanto ela tem mais força para seguir em frente, ele nem sempre consegue se levantar. Nem a esperança cantada por Paulo Sérgio em “O amanhã espera por nós dois” (Vem, vamos amar / Pra não chorar depois) pode servir de consolo. Quando não resta mais nada, sobram as canções.
 
O amor também pode ser muito triste e devastador.

Deixe uma resposta

Acima ↑