O dia em que nunca mais fui a um campo de futebol

FREDERICO MORIARTY – Dois de junho de 1993, Parque Antárctica, o velho estádio do Palestra Itália. Nos anos 20, a italianada que fundara o time das cores e colônia de Giuseppe Garibaldi fez um acordo com a cervejaria alemã: a chácara nos fins da avenida Paulista pela fazendinha perto da estação de trem e do Rio Tietê. Os alemães exigiram que o Palestra mantivesse o nome da cervejam – daí o Antárctica. Nos anos 40, Getúlio Vargas, o ditador brasileiro, quase fechou o time. Em 1942, o Palestra Itália virou Sociedade Esportiva Palmeiras e teve o dinheiro em caixa confiscado para bancar a luta contra o fascismo na Europa. O time que combatia o ditador era surrupiado para derrubar Mussolini.

Nos anos 60, o estádio cresceu. Ficou num formato de ferradura. No gol de entrada havia um imenso vazio e, ao fundo, se viam as piscinas do clube da rua Turiaçu. A grande marca era o famoso fosso. Entre as arquibancadas e o gramado havia uma imensa fissura de 3m de altura por 5m de largura. Ia de ponta a ponta. Como o gramado ficava elevado, a imprensa esportiva apelidou o estádio de “Jardins Suspensos do Palestra Itália”.

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Fui dezenas de vezes nesse campo ver o Palmeiras. Supersticioso, jamais fui a uma final. Em verdade, dividia minhas andanças pelos estádios com as caravanas para acompanhar o glorioso São Bento de Sorocaba.

Nos anos 60, o Palmeiras foi vitorioso. Enfrentou Pelé. Vestiu a camisa da seleção brasileira na inauguração do Mineirão. Era a Academia de Futebol.

Desde o final de 1992, a Parmalat italiana passara a patrocinar o Palmeiras. Foram oito anos de craques, dinheiro farto e muitos títulos (e claro, a inveja dos adversários).

Em 1993, o time sairia de um longo jejum de 17 anos sem títulos.

Enfrentou a Ferroviária de Araraquara em 2 de junho daquele ano, já classificado para a final contra o Corinthians.

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Estádio lotado de palmeirenses. Quase no fim da arquibancada estava a TUP, a torcida uniformizada do Palmeiras, uma agremiação de 200 a 300 pessoas que iam pra cantar e vibrar pelo time. Estavam lá para aplaudir Mazinho, Evair e companhia. Só isso.

Começava  a sobressair uma torcida mais nova, dita organizada: a Mancha Verde. Nas palavras de um antigo fundador, a Mancha nascera para reagir com violência aos corintianos. Olho por olho, dente por dente.

Eu estava no meio das duas torcidas. No segundo tempo, jogo sossegado, Palmeiras vencendo por 3 a 0, percebi que uns 50 torcedores da Mancha Verde se deslocaram para o lado da TUP. “Provavelmente pra comemorar “, pensei.

Nada disso. Os torcedores da Mancha começaram a bater nos da TUP.  Com extrema ferocidade. Até que uma hora, carregaram 3 torcedores ao fosso e simplesmente os atiraram ao chão, como se jogassem sacos de batatas. Logo após entoaram gritos de guerra e fizeram saudações com o braço que me lembraram as da Alemanha nazista. Perderam o quarto gol palmeirense.

Decidi que nunca mais entraria naquele estádio enquanto houvesse as tais organizadas.

Mas o coração é traíra. O Palmeiras voltou aos tempos das carnes magras e títulos escassos. Caiu duas vezes para a Série B. Chorei. Prometi abandono, mas veio 2015 e o time inaugurou o novo campo, agora denominado de Arena (seria uma alusão aos circos romanos e os seus gladiadores assassinos?). E o time voltou a ganhar, ficou rico e, melhor, excluiu a Mancha Verde das arquibancadas. Era hora deste oriundo  voltar.

Quando tudo parecia conspirar a favor, o atual presidente da agremiação  de um lado trouxe a organizada de volta, e doutro, encheu o estádio com uma “torcida gourmet”. Fechou com chave de ouro, nos fins de 2018, ao convidar o presidente eleito, de discurso e práticas fascistas, machistas e homofóbicas para erguer a taça do campeonato brasileiro.

Jogaram no fosso a história do time. Nunca mais irei ao campo de futebol. Não se aplaude a morte.

2 comentários em “O dia em que nunca mais fui a um campo de futebol

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  1. O nome do estádio é Allianz Parque. Quem fala arena são os diretores da Globo.
    E a instituição está acima de quaisquer imbecis que eventualmente a comandem. Volte ao Allianz Parque, nem Bolsonaro, nem Lula ou qualquer outro político tosco e corrupto devem afastar-nos de nossa paixão pelo Palmeiras. Saudações Alviverdes!

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    1. Sim. Allianz. Times de futebol não devem se misturar com políticos. Nem destinar verbas. O palestra Itália sempre teve sua história na resistência aos políticos. Nosso próprio nome foi alterado p um presidente

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