FREDERICO MORIARTY (Blog Pipocando la Pelota) – John Manuel Monteiro faleceu anos atrás, num trágico acidente automobilístico. O historiador e professor da Unicamp estudava o passado colonial de nossos índios. “Negros da Terra”, sua tese de doutorado e depois publicado em livro pela Companhia das Letras, foi a descoberta da economia colonial de São Paulo para mim. Monteiro era crítico à história “quatrocentona paulista” com suas entradas e bandeiras, além das pujantes aventuras do bravo habitante de Piratininga.
A Capitania era pobre e periférica na economia colonial brasileira. O homem da terra mal falava português, analfabeto que era. Quem dialogava com as autoridades normalmente eram os índios, versados no latim, na língua de Camões e na Bíblia jesuíta. Monteiro despertou-me a vontade de estudar a Terra Rasgada em que nasci.

Passei por inventários, testamentos, arquivos e terminei com Aluísio de Almeida. Em verdade, monsenhor Luís Castanho de Almeida. Foi padre na Catedral sorocabana por alguns anos. Doente, afastou-se e passou a ministrar missas em sua casa e a escrever muito.
Tornou-se historiador. Escreveu obras reconhecidas e de grande qualidade. Sérgio Buarque de Holanda correspondia-se constantemente para tirar dúvidas sobre a vida tropeira.

Aluísio de Almeida antecipou-se à história das mentalidades. Seus textos são agradáveis, as tropas passam pelos nossos olhos. Produziu até a História de Sorocaba para Crianças. Visionário. Assim ele descreve a origem do nome da Igreja e da cidade, Nossa Senhora da Ponte, de onde o aldeamento se formou:
“ O que paira acima das hipóteses é a interpretação mística já desenvolvida por frei Agostinho de Jesus cerca de 1709; Nossa Senhora é a ponte que liga o céu e a Terra. Penso que a escolha do dia 21 de novembro para a festa litúrgica é, por analogia, com N. Sra. da Escada, que se festeja nessa data.”
Daí eu me pego na maldita coisa do destino e de minha veneração à Nossa Senhora: nasci no mesmo dia da primeira missa sorocabana, um 21 de novembro, quase três séculos depois.
E não posso visitar partes do Mosteiro de São Bento (como é conhecida atualmente a antiga igreja de Nossa Senhora da Ponte). Tenho passado há tempos em frente à Capela e está em obras. Descascada, maltratada, cimentada e coberta por feios tapumes. Entristeci-me demais ao saber que o restauro do patrimônio histórico tombado pelo Condephaat está quase abandonado. São 19 anos de obras e não há previsão de término.

Nesse tempo, Sorocaba transmutou-se numa semi-metrópole. Todas as praças do centro foram destruídas e reconstruídas com pouco verde, nenhum banco para sentar-se e pisos escorregadios e de péssimo gosto para que passemos rápido. Uma das primeiras fábricas da história do país virou “xópim” e a praça defronte, a da Bandeira, virou um pequeno quarteirãozinho sem árvores. A praça não é mais lugar de conviver.
As antigas Prefeitura e Câmara desapareceram na rua São Bento e esquina da XV de novembro. O Fórum (dito Velho), na praça do Obelisco (dita Frei Baraúna), abrigou a Oficina Cultural Grande Othelo, uma excelente ideia e atitude. Nos últimos anos, a oficina deixou o local e o Fórum foi tomado por abandono, sujeira e ponto de drogas.
Havia uma placa anunciando as reformas do prédio (orçadas em R$ 1,5 milhões). Data do término: maio de 2014. Qualquer pessoa que visite o local sabe que as obras nem começaram. O coitado do marco zero desapareceu no meio do mato. O pelourinho providencialmente fica atrás do INSS, escondido em alguma reforma da Previdência.

Vez ou outra, conto aos alunos sobre a feira de muares de Sorocaba. E de nossa tradição pecuarista e industrial. Na infância, no caminho para casa, tinha de atravessar o imenso terreno ao lado da linha de ferro.
Lá, havia dezenas de estábulos e pequenas casinhas de madeira. Víamos bois, vacas, galinhas e outros bichos, como as galinhas-de-angola do lodaçal. Por ali, corria o córrego Supiriri, que em qualquer chuvinha transformava a fazenda urbana num pântano. No local, existia a sede da Colaso, Cooperativa de Laticínios de Sorocaba.

Ganhei, ali, o primeiro saquinho de leite da minha vida, o qual levei feliz de presente para minha mãe. Segundo a Colaso, as garrafas de vidro eram “utensílios pré-históricos”. A exposição permanente denominava-se Fapis (Feira Agropecuária e Industrial de Sorocaba).
Em 1979, os tratores chegaram, derrubaram tudo e depois apareceram milhares de caminhões para terraplanar o córrego, devidamente canalizado e submerso na terra. Segundo a fala infantil, no lugar da falecida Fapis seria construído o maior “xópim center” do planeta. Décadas depois, a obra virou apenas uma galeria de lojas.

Sorocaba perdeu o Carnaval. A cidade se despediu do estádio romântico Humberto Reale (nos altos da Vila Hortência, com “c”). Os ônibus amarelo e vermelho da Vima sumiram. Comida caseira hoje é sushi e hambúrguer artesanal. Os bailes do Estrada, do 28 (dos afrodescendentes), do Recreativo e do Clube Sorocaba desapareceram.
Muita gente que habita a cidade veio de outras terras e não sabe o significado de ‘largue mão’ ou ‘chovendinho’. A Catedral da cidade, hoje, tem um afresco de um Jesus surfista e uma imensa guarita da guarda civil municipal bem na porta sagrada.

Sorocaba se suburbanizou nestes anos, fenômeno tradicional no interior paulista. Gastaram-se centenas de milhões de dólares com ruas, avenidas, rotas de circulação para trazer de volta os habitantes transfugos. O resultado era óbvio: carros e mais carros e trânsito caótico.

As pessoas ficaram meio de asfalto. As plantas viraram ornamentos. O tempo pediu passagem e engoliu o velho. O que me encasqueta é ser o novo e o moderno um bicho contaminado de preguiça no aprender e da proliferação em esquecer.
(A imagem que abre este post é o quadro “Primeira Missa de Sorocaba”, de Ettore Maringoni)
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