A partir deste sábado, 11 de janeiro, São Roque reedita a festa da colheita da uva com olhar nostálgico dos primórdios da vinicultura da região

Já já Um MARCO MERGUIZZO – A vindima, período no qual as uvas vitis vinifera – as castas ou variedades tintas e brancas com as quais se faz os chamados vinhos finos – são colhidas nos parreirais carregados em seu melhor momento de maturação e concentração de açúcar, costuma ocorrer no Brasil entre os meses de janeiro e fevereiro.

Salvo exceção nas regiões vinícolas do país onde impera a dupla poda. Também conhecida como poda invertida, tal técnica consiste na inversão do ciclo produtivo da videira. Assim, em vez de colher no início de ano, que é mais chuvoso, o que prejudica o pleno desenvolvimento da uva, a vindima é feita em meados de agosto e setembro, período mais seco, entre o finzinho do inverno e início da primavera, a fim de preservar os cachos das inevitáveis pancadas e os aguaceiros comuns no verão.

Vale o parêntesis: criada há cerca de duas décadas, essa técnica vinícola foi desenvolvida aqui mesmo, no Brasil, de forma inovadora, pelo Núcleo Tecnológico Uva e Vinho da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Em um futuro post, voltarei a abordar este tema para falar sobre os rótulos excepcionais e de grande prestígio de uma jovem e moderna vinícola paulista.

Trata-se da Guaspari, do Espirito Santo do Pinhal, na região de Campinas, cujos rótulos são elaborados a partir dessa tecnologia, comprovando sua eficácia em terroirs e regiões climáticas com altas concentrações pluviométricas, em especial durante o período de colheita.

Momento crucial, portanto, para se obter uvas de qualidade e, por extensão, produzir bons caldos, a vindima é motivo de festa no mundo do vinho. Ultratradicional em várias partes do mundo, aqui, no Brasil, a região da Serra Gaúcha, berço da moderna indústria vinícola nacional e de grande tradição enoturística, é a que reúne o maior número de vinícolas e a melhor estrutura receptiva com uma programação especial para o mais importante evento do calendário vinícola, não perdendo em nada para o que há de melhor no exterior.

Mas na região de Sorocaba, a tradição da colheita também pode ser acompanhada, todo ano, no município vizinho de São Roque, conhecido produtor de longa data do fermentado de uvas, em algumas vinícolas que integram o seu conhecido circuito do vinho, localizadas a pouco mais de 40 minutos de carro da região metropolitana.

Dos cerca de 15.000 turistas que a cada fim de semana visitam as mais de três dezenas de estabelecimentos que compõem este movimentado circuito enoturístico paulista, entre vinícolas, pequenas adegas, fábricas de destilados e cervejas, restaurantes e áreas de lazer, situados ao longo das estradas do Vinho, dos Venâncios e da rodovia Quintino de Lima num perímetro total de 20 km, o número de visitantes dobra a cada sábado e domingo, ultrapassando a casa das 20, 23 mil pessoas, segundo estimativas da Associação do Roteiro do Vinho de São Roque

Tradição e fama por produzir rótulos de paladar simples, feitos com uvas não-viníferas e bem ao gosto popular não impediram que São Roque se tornasse a “Terra do Vinho”, apelido com o qual o município se tornou conhecido nos anos 50 e 60 do século passado. Mas a produção vinícola são-roquense começou bem antes disso.

Pisa da uva e fogão de lenha na Casa da Árvore do casal Max e Simone

Mais precisamente no século XVII, quando imigrantes portugueses passaram a cultivar videiras às margens dos rios Carambeí e Aracaí, e teve continuidade com os imigrantes italianos, que chegaram dois séculos depois. Hoje, a estância comercializa 18 milhões de litros de vinho por ano – a maior parte de vinhos de mesa, com uma notável evolução qualitativa dos rótulos produzidos, sobretudo nas últimas duas décadas. 

Ápice da indústria vinícola no mundo todo, a vindima, ou colheita, é o ponto de partida para se elaborar vinhos de qualidade de um determinado ano ou safra, já que, afinal, sem matéria-prima de qualidade não há vinho de qualidade.

Por sua vez, embora sejam simbólicas e ostentem um componente lúdico e cultural, as vindimas realizadas nos dias de hoje, quase quatro séculos após os imigrantes europeus terem desembarcado na região de São Roque e cultivado as primeiras videiras, despertam um enorme interesse e curiosidade das pessoas, sejam elas iniciadas ou não no mundo das taças e taninos, ao resgatar de modo festivo e ao mesmo tempo didático a forma de se fazer vinho nos seus primórdios, numa saborosa viagem através do tempo.

Na vinha como os primeiros produtores da região: viagem no tempo

Neste irresistível mergulho ao passado romântico da vinicultura familiar e artesanal, também é possível conhecer o uso de técnicas agrícolas, manejo e modos de produção ancestrais e compará-las às novas e modernas tecnologias hoje utilizadas pela indústria vinícola. 

Seja qual for a sua motivação, uma coisa é líquida e certa: participar de uma vindima é uma experiência marcante e enriquecedora em todos os sentidos. Ao longo da minha trajetória profissional, tive o privilégio de participar de várias, aqui e fora do Brasil, e as recomendo com entusiasmo, já que são uma porta de entrada preciosa para estar em contato direto com o produtor ou o enólogo, naquele momento crucial do processo de elaboração de um vinho, que é a colheita.

Resultado de um ano inteiro de dedicação e trabalho duro no campo, é na vindima, portanto, que nasce tanto um grande vinho quanto aquele ordinário e medíocre. Em ambos, a qualidade dos frutos colhidos, independentemente das técnicas e dos recursos enológicos empregados, será sempre determinante e o fiel da balança.

Desse modo, vale a pena – e muito – entrar nesse universo fascinante e desvendar as histórias de cada lugar, seus personagens, as particularidades de cada terroir e a influência que este exerce sobre as castas, conhecer de perto as variedades autóctones e o desenvolvimento das que melhor se adaptam a uma determinada região, bem como outros detalhes de produção e toda a magia que há por trás de uma taça de vinho. Aproveite e desfrute. E saúde!        

Do vinhedo à taça

Descendentes lusitanos em ação: dança, alegria e muito vinho, oh, pá!

A partir deste final de semana, 11 e 12/1, até a primeira quinzena de fevereiro, mais precisamente dias 8 e 9/2, será possível participar da tradicional festa da vindima organizada por algumas vinícolas são-roquenses. Em geral, a programação inclui visitas monitoradas por enólogos e técnicos – ou mesmo pelos próprios donos – aos parreirais e demais instalações, a colheita e pisa da uva (com apresentações de grupos folclóricos de dança e músicas portuguesas típicas) e, no final, há a aguardada degustação de vinhos e sucos, seguida de um fausto almoço. (Em tempo: recomenda-se consultar se as refeições estão incluídas no pacote ou são opcionais).

O MAPA DA VINDIMA SÃO-ROQUENSE 

Das treze vinícolas e adegas locais, só três oferecem uma programação organizada e direcionada a este tipo de evento, dispondo de instalações adequadas e equipes treinadas para receber o turista. Listadas abaixo em ordem alfabética, confira as programação de cada uma delas. E, importante, ligue com antecedência para garantir sua reserva.    

CASA DA ÁRVORE 
(Rodovia Prefeito Quintino de Lima, km 1,5 (estrada São Roque-Ibiúna), Jardim Conceição, São Roque. Reservas pelo tel. (11) 99620-1212).
Colheita e pisa da uva na Casa da Árvore: viagem com sabor nostálgico

Nesta jovem e acolhedora vinícola do casal Max e Simone Slivnik, pode-se ter a exata noção de como os primeiros vinhateiros de São Roque plantavam, colhiam, vinificavam e engarrafavam seus vinhos. Em um parreiral próprio de 1 hectare são cultivadas seis variedades de uvas, cinco delas próprias para a elaboração de vinhos – Carmem, Niágara, Bordô, Rubia e Lorena -, além da Isabel, a única não-vinífera.

O pacote completo da vindima inclui colheita nos parreirais, pisa da uva (veja as fotos e assista, abaixo, ao vídeo) degustação e almoço de sabores eslovenos, especialidade proveniente da origem familiar do dono. Conta com casario preservado dos mais acolhedores e boa infra-estrutura receptiva para grupos pequenos, além de uma área verde com lago e tirolesa e ainda uma loja que vende os vinhos da casa, do tipo suave e de paladar pueril, um ótimo suco de uva e produtos artesanais originários de pequenos produtores do Rio Grande do Sul, como geleias e cosméticos naturais.

(*) Neste ano, a vinícola realizará a vindima num único dia: no sábado (25/1), feriado de aniversário na cidade de São Paulo. Com vagas limitadas, é necessário reservar. Preços: adulto (R$ 230) e crianças de 5 a 12 anos (R$ 150). Reservas pelo tel. (11) 9 9620 1212.

QUINTA DO OLIVARDO
(Estrada do Vinho (SP-77), km 4, Sorocamirim, São Roque, tel. (11) 4711-1100) 
No parreiral do Olivardo: família que colhe uva unida, permanece unida

Misto de restaurante português e centro de lazer rural, a Quinta do Olivardo tem uma das mais tradicionais e concorridas vindimas da cidade. Comandada por seu simpático dono, Olivardo Saqui, um conhecido divulgador da cultura lusitana, a colheita deste ano já está em sua nona edição. 

Ali, o visitante, além de colher os cachos e prová-los no próprio vinhedo, é convidado a participar da pisa das uvas em um lagar de concreto e a seguir a dançar e brindar ao som de canções típicas portuguesas, degustando em canecas de porcelana os vinhos da casa, elaborados com as uvas Lorena e Niágara.

Para completar o programa, é possível desfrutar de mais de uma dezena de receitas de bacalhau servidas nos seus dois bons restaurantes. Seu elogiado bolinho feito com o festejado peixe e as fornadas de pastel de Belém também costumam arrastar o ano todo uma legião de fãs até lá. 

VINÍCOLA GÓES
(Estrada do Vinho (SP-77), km 9, Canguera, São Roque, tel. (11) 4711-3500) 
O vira português está entre as atrações da vinícola Góes (Divulgação)

A maior e mais conhecida vinícola do roteiro do vinho são-roquense, que neste ano completa 82 anos de existência, realiza a sua décima-quinta vindima. Para 2020, a Góes reservou, além da tradicional pisa das uvas, uma série de atrações inéditas para os participantes da colheita. Com ilhas interativas, a vinícola disponibilizará um winebar e um espaço kids, além de trilha ecológica e um local de relaxamento ao ar livre, em meio à paisagem verdejante da região de Canguera.

Ou seja, o programa acontece tanto nos vinhedos cultivados em sistema de espaldeira e em meio à natureza, quanto dentro das ótimas instalações da vinícola. Momento mais esperado, a pisa das uvas costuma ser embalada por um grupo de dança e de músicos que entoa o tradicional vira e antigas canções eternizadas pelos imigrantes da Terrinha. Nessa hora, o visitante entra enfim no clima: tira os sapatos, limpa os pés e entra descalço numa grande tina de madeira para pisotear os cachos colhidos pelo grupo.

Incluído no pacote, o almoço, tipicamente português, é servido no ambiente dos parreirais, conferindo a este programa familiar um charme todo especial. Com horários previamente definidos – às 10h, 11h30 e 13h -, a vindima da Góes ocorre sempre aos sábados e domingos, no período de 18/1 a 9/2. Com vagas limitadas – e sempre muito disputadas -, é necessário e recomendável reservar com antecedência.

GALERIA DE IMAGENS E VÍDEOS

(Fotos: Divulgação e Blog Aquele Sabor Que Me Emociona)

Vídeo Blog Aquele Sabor Que Me Emociona
MARCO MERGUIZZO 
é jornalista profissional 
especializado em gastronomia, 
vinhos, viagens e outras 
coisas boas da vida. 
Escreve neste Coletivo 
toda sexta-feira. 
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